Gustavo Melo Cavani Calleff, Nelson da Silva Neto
O ano de 1968 não ficou restrito às manifestações, mentes e corações europeus e estadunidenses, muito menos ficou circunscrito no âmbito político e ideológico de Paris, Praga ou Chicago. Este ano representou o auge de intensas transformações culturais, comportamentais, relacionais e, conseqüentemente, políticas, que reescreveram e marcaram a história da segunda metade do século XX em diante. Os reflexos dessas mudanças puderam ser vistos e sentidos por todo o mundo, inclusive na América Latina. Foi um ano diferente de todos os demais, nele se deu o auge da contestação e da ação, por parte daqueles que ansiavam por mudanças profundas que revertessem em melhoras das condições de liberdade e de vida das pessoas. Os jovens se posicionavam contra um mundo de guerras e repressão, com slogans pichados pelos muros do tipo “é proibido proibir”.
No Brasil não foi diferente do resto do mundo. O auge das manifestações no Brasil foi sem dúvida, a Passeata dos Cem Mil, considerado um do mais importante protesto contra a ditadura militar. A manifestação aconteceu no Rio de Janeiro, organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), que dentre outras coisas mostrava seu descontentamento, com o governo militar, e o acordo firmado na área da educação entre o MEC e a Usaid (órgão americano que interferia nas universidades regulando a formação universitária conforme a demanda de mercado). Dentro do fervilhão dos acontecimentos, cheios de revoltas, protestos e repressão, a morte do estudante Edson Luis por militares, dentro do restaurante conhecido como Calabouço no Rio, foi um marco para que se desse a radicalização do movimento estudantil. Figuras como Che Guevara (morto em 1967) influenciaram todo um movimento de guerrilha armada que se espalhou pela América Latina, inclusive no Brasil, como o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), a Vanguarda Popular Revolucionário (VPR) ou a Ação Libertadora Nacional (ALN).
Outro exemplo do clima vivido foi o México, onde não existia uma ditadura oficializada, entretanto a mais de vinte anos era o Partido Revolucionário Institucional (PRI) quem estava no poder, mesmo com acusações de fraudes e corrupção. O país que na época era uma das economias que mais crescia no mundo, a população também aumentava de forma rápida e um grande número de jovem se encontrava na Cidade do México. A Universidade Autônoma do México (UNAM) também começou a ficar cheia de novos estudantes, e o eco de todos os acontecimentos que explodiam pelo mundo também podiam ser sentidos lá. O Estado Mexicano conseguia controlar todos os setores da sociedade, com exceção dos estudantes, que por isso eram reprimidos com muita violência, chegando a ser abatidos com tiros quando flagrados tentando colar cartazes ou pichar muros. Diante desta situação de falta de controle, e com uma Olimpíada prestes a acontecer no país, o governo mexicano temendo passar para o mundo uma imagem negativa vinculada a algum tipo de desordem no país, acaba reunindo os estudantes para uma negociação, que acaba virando uma grande chacina. Este trágico evento ficou conhecido como o massacre de Tlatelolco.
Em paralelo aos diversos tipos de manifestações que aconteciam na América Latina e no mundo, os Estados, sejam eles autoritários ou não, buscavam também formar alianças com objetivos políticos, econômicos e comerciais. Na América Latina ocorreram diversas tentativas de integração por parte dos Estados, uma delas é a Associação Latino-Americana para o Livre Comércio (ALALC), firmado com o objetivo principal de integrar os países pelo viés comercial. Celebraram um tratado que estabelecia preferências comercias entre seus membros além da progressiva redução de suas tarifas aduaneiras com o intuito de facilitar a circulação de mercadorias e criar um mercado comum latino-americano.
Apesar dos diversos esforços entres as partes, a história da integração latino-americana sempre se mostrou problemática. Tantos eram os problemas que nos anos de 1980, a diversidade e a instabilidade das políticas econômicas dos países membros fez com que a ALALC desse lugar a Associação Latino-Americana de Desenvolvimento Integrado (ALADI). Mesmo com a nova tentativa de integração, acordos firmados bilateralmente, ou acordos firmados com outros blocos, Até mesmo a criação de novos blocos pelos países, dão a dimensão do fracasso na tentativa de integração da América Latina pelos Estados nacionais. Mesmo com esse fracasso da ALADI, o crescimento econômico dos países ocorreu, só que não houve de fato uma melhora nas condições gerais de toda a população. Foram poucos os que realmente desfrutavam dessa integração econômica e esse foi um dos fatores que fomentaram alguns protestos que ocorriam principalmente no Brasil e no México. Essa integração política, também acabou gerando um outro tipo de integração, por parte daqueles que estavam descontentes e que queriam mudar a situação. Essa integração que chamamos aqui de “integração contrária” pôde ser sentida quando se analisam todos os protestos da época, e na forma como se dava a organização estudantil na luta contra o Estado, mostrando todo o seu descontentamento e brigando por melhores condições ou mesmo apontavam para o sentido de uma nova organização que não conseguiu se por em prática.
Referências Bibliográficas
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